Tributário na Semana – 13.03.2020
Tributário na Semana
63ª Edição
Release de Matéria Tributária Semanal – 06 a 13 de março de 2020
Uma frase atribuída ao ex-Ministro Pedro Malan nunca fez tanto sentido para o nosso Estado como nessa semana que se encerra: “No Brasil até o passado é imprevisível”.
Após quase um ano de investigações, a CPI dos Incentivos Fiscais, instaurada pelo Decreto Administrativo nº 2.965/2019, a qual teve como cerne a averiguação de eventuais irregularidades das benesses concedidas e utilizadas nos últimos 20 anos pelas Empresas, entregou seu relatório final, de mais de 500 páginas, na última terça-feira (10).
Embora a iniciativa da nossa Casa Legislativa seja louvável e mereça destaque, no sentido de que o Estado deve sim exercer rigoroso e eficiente controle e fiscalização dos benefícios fiscais concedidos – evitando-se assim desperdícios e distorções dos recursos públicos – o que se verifica da leitura e análise do relatório exibido é a completa unilateralidade e parcialidade do posicionamento da CPI.
Esperava-se sim uma apuração efetiva do que foi proposto, entretanto, percebe-se que os benefícios fiscais foram “condenados” muito antes de a investigação ser concluída. Atrevemo-nos a dizer, inclusive, que antes mesmo do início das investigações, já tínhamos um diagnóstico desfavorável às Empresas: não importaria quantos documentos fossem apresentados ou quantas provas fossem expostas à Comissão, ainda assim todos os esforços seriam para comprovar um único ponto de vista.
Explica-se.
A despeito de toda a defesa apresentada pelas Empresas, o relatório é integralmente tendencioso, levado para o caminho de impor a ideia de que os benefícios fiscais concedidos em Goiás foram responsáveis pela grave crise fiscal que nosso Estado enfrenta. Tal premissa enfraquece e descredibiliza o trabalho feito naquela Casa Legislativa, o qual deveria ter como ponto central a completa imparcialidade.
Neste ponto destacamos que o próprio relatório aponta diversos fatores que contribuíram para o cenário de crise que nosso Estado se encontra, tais como: a) a ausência de regulamentação na LC nº 87/1996 (Lei Kandir) no tocante à compensação financeira aos Estados-membros e ao Distrito Federal, em razão da desoneração das exportações, o que vem diminuindo gravemente a arrecadação destes; b) a evolução da dívida dos Estados-membros e do Distrito Federal com a União; c) o aumento de despesas de pessoal, inclusive por fatores alheios aos Estados-membros e Distrito Federal, como a progressiva implementação do Piso Nacional da Educação, assegurado por decisão do STF (ADI 4.167/DF); d) a má-gestão e corrupção em alguns Estados; e e) a “maquiagem” nas contas públicas, de modo a omitir do Tesouro Nacional informações relevantes sobre o efetivo cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal[1].
Na sequência desses apontamentos o Relator, Deputado Humberto Aidar, afirma que foram os benefícios fiscais milionários e até bilionários que trouxeram o estado de calamidade à Goiás. Todavia, tal afirmativa é absolutamente fugaz, na medida em que não possui qualquer lastro que aponte para essa conclusão. Ao contrário disso, ao longo das 22 reuniões realizadas durante a CPI – com a oitiva de empresários, representantes da Secretaria de Economia, dentre outras autoridades – o que se constata é que o documento apresentado pela Comissão ignora totalmente o progresso e crescimento econômico que a política de incentivos fiscais trouxe para o nosso Estado, fomentando-o desde a década de 80.
Por mais que se folheie o relatório, não se vê a consideração destes documentos e argumentos apresentados durante meses de oitiva dos contribuintes e representantes estatais. Em razão disso é que fica tão flagrante o desrespeito ao contraditório e à ampla defesa inferido na conclusão ostentada, o que é um risco gigantesco e sem precedentes à atração de investimentos mundialmente praticada, qual seja, a política de incentivos fiscais.
Ora, se mesmo com a apresentação de todas as documentações a fim de demonstrar o cumprimento das contrapartidas previstas nos programas aderidos pelas empresas, bem como o real crescimento por elas gerado para a sociedade, isto é, que o investimento foi revertido a seu favor, ainda assim a linha de raciocínio do relatório aponta apenas para a desconsideração de todos estes fatos.
Sob o aspecto econômico e da competitividade deveria ter sido analisado se determinados incentivos fiscais e os projetos por eles financiados justificam a perda dos ingressos fiscais.
Assim, de forma desequilibrada, o relatório da CPI não traz uma análise lógica dos documentos e argumentos expostos ao longo de tantos meses de trabalho da Comissão, atrelados à boa-fé e disposição de todos os ouvidos durante esse processo. O que se tem, na verdade, é o apontamento de verdades baseadas em meras alegações, como por exemplo, a sugestão de ajuizamento de ações, o que implica em iminente e grave ameaça à segurança jurídica garantida pela Constituição Federal.
Diante de um relatório que extrapolou o âmbito tributário, desprovido de isenção, com sugestões que fragilizam o ambiente de negócio e despreza todas as provas acumuladas durante a investigação, fica sobejamente claro que o intuito do documento apresentado não foi o de verificar as possíveis irregularidades em benefícios fiscais concedidos, mas sim provar, a qualquer custo, e a míngua de qualquer evidência em contrário, que estes foram a causa do cenário de dificuldade fiscal que o Estado de Goiás se encontra. Fator eleito, repita-se, antes de qualquer investigação.
Uma verdadeira lástima.
Fernanda Terra – Mestre em Direito Tributário – Sócia do escritório Terra e Vecci Advogados Associados
Thalita Lotti – Especialista em Direito Civil e Processo Civil – Advogada do escritório Terra e Vecci Advogados Associados
[1] Estados em calamidade financeira são os que mais ‘maquiam’ as contas. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2019/01/30/internas_economia,1026071/estados-em-calamidade-financeira-sao-os-que-mais-maquiam-as-contas.shtml>.