ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins: a tese do século e império da força
O segundo ano da pandemia do nova corona vírus no Brasil tem sido de borbulhantes decisões tributárias no Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro Luiz Fux. Depois de mais de dez anos de litígio, uma das mais emblemáticas e abrangentes teses tributárias foi finalmente à julgamento, em que se decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições PIS e Cofins. O tema foi modulado pelo STF e a questão de qual valor retirar da base de cálculo foi também enfrentada, venceu a segurança jurídica, e com ela a definição de que o ICMS a ser excluído é o destacado no documento fiscal.
Mas, o Estado Social precisa ser mantido em sua abrangente existência com voraz demanda por recursos. O Estado vive dos tributos arrecadados, e em mais de dez anos de litígio nesta “tese de século” nada foi feito quanto à redução dos gastos do grande Leviatã. Contrario sensu, em 2021 a dívida pública brasileira alcançou 5 trilhões, ou seja, mais de 90% do PIB nacional. Logo, ninguém seria ingênuo de acreditar que a União receberia passivamente a decisão de que violara a Constituição Federal na cobrança de tributo.
Tomo emprestada uma análise do Nobel da Paz e ex Assessor de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henri Kissinger, em livro “Sobre a China” ao relatar o equívoco de Nikita Kruschchov, ao tentar ser “esperto e cínico” com o governo chinês durante as crises de Taiwan:
“um estrategista deve ter consciência de que blefes podem ser pagos para ver e deve levar em conta o impacto de uma ameaça vã para sua futura credibilidade.”
A União, através da Receita Federal do Brasil, seu órgão arrecadador, age com esperteza e cinismo contra a decisão do STF na questão do ICMS não compor a base de cálculo do PIS e da Cofins. Ela emitiu uma norma branca, um Parecer Cosit nº10/2021, um blefe, nas palavras de Henri Kissinger, para nortear os seus, dizendo:
“O valor do ICMS destacado na Nota Fiscal, conforme decisão do Supremo, não integra o preço/valor do produto, visto que apenas transita no caixa das empresas para depois ser recolhido aos estados. Logo, na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma prescrita no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003, deve ser efetuada a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição.”
Ora, há tantos equívocos nesse Parecer que discriminá-los todos comporia um outro artigo, que ainda farei. A decisão do STF diz respeito à base de cálculo do PIS e da Cofins, não aos supostos créditos de entrada, ou aquisição, que são tratados em outro dispositivo. A direito público é norteado pelo princípio da legalidade, não pode ocorrer uma alteração mediante um ato administrativo que acarreta ônus imediato ao contribuinte. Isso para dizer o mínimo.
Os princípios constitucionais que norteiam a administração foram todos esquecidos diante dessa mudança tentativa abrupta e inconstitucional. Esperteza é o oposto de moralidade, e a Carta Magna diz que essa última, a moralidade, é dever da administração pública.
Esse é um Estado que luta contra seus cidadãos, contra sua força produtiva, que lhe arranca a vitória das mãos pela força bruta da máquina administrativa autuadora. Mas, a história nos deixa de alento frase do já mencionado livro “Sobre a China”:
“Quase todos os impérios foram criados pela força, mas nenhum consegue se sustentar por meio dela.”
LIZ MARÍLIA VECCI
LLM em Direito Empresarial pela FGV/ESUP.
Graduada em Direito pela PUC-GO.
Atuação exclusiva em Direito Tributário desde 1996.
Conselheira Julgadora da Junta de Recursos Municipais de Goiânia (2000 e 2013).
Conselheira da OAB Seccional Goiás.