“Vou trabalhar 24 horas por dia para fazer o ajuste fiscal que o governador quer”

Entrevista | Ana Carla Abrão Costa

Secretária da Fazenda afirma que mesmo com todas as dificuldades que se anunciam, o Estado pode galgar posição no ranking econômico

Ana Carla Abrão diz confiar no trabalho de seu amigo Joaquim Levy, o novo ministro da Fazenda | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
“A capacidade de investimento do Estado está exaurida, mas os ajustes necessários já começaram a ser feitos.” A sentença proferida pela economista Ana Carla Abrão Costa, a nova titular da Secretaria da Fazenda de Goiás, não deixa dúvida de que ela encara com muito realismo as dificuldades que terá de enfrentar.
Mas também fica claro o seu otimismo com as primeiras providências que o governador reeleito Marconi Perillo (PSDB) tomou no início de seu mandato. Caberá a ela resguardar as chaves do Tesouro Estadual, reduzindo custos e aumentando a arrecadação, para que o tucano cumpra com sucesso sua quarta gestão no Estado.
A indicação de Ana Carla pegou o mundo político goiano de surpresa. Foi mais uma daquelas tacadas de Marconi que fogem do óbvio. E, ao contrário do que alguns podem pensar, o fato de ser filha da senadora tucana Lúcia Vânia e do ex-governador Irapuan Costa Junior não foi preponderante.
A economista tem predicados para o cargo. Ela sai de um posto de destaque em um dos maiores grupos financeiros da América Latina, o Itaú, para dar sua contribuição para Goiás.
“Ao me convidar, o governador Marconi disse que queria uma cabeça técnica para fazer o ajuste, uma gestão fiscal que possibilite entregar Goiás, daqui a quatro anos, para seu sucessor com as contas em dia, com o Estado investindo, com uma bandeira de um Estado moderno e ajustado, do ponto de vista fiscal. Aí eu aceitei o convite”, lembra a economista, que saiu de Goiás há 30 anos.
Ana Carla não minimiza as dificuldades e diz que muito do sucesso de seu trabalho em Goiás depende do que o governo federal está planejando no sentido de corrigir as distorções da política econômica brasileira. Ela confia no trabalho de seu amigo Joaquim Levy, o novo ministro da Fazenda.
“O Brasil vai sofrer este ano, mas Levy é a pessoa certa para a pasta. Felizmente, Goiás vai sofrer menos. O Estado tem crescido acima da média nacional e vamos trabalhar para continuar assim.”
Marcos Nunes Carreiro – Desde sua posse, no dia 2 de janeiro, a sra. dedicou seu tempo a tomar conhecimento da situação financeira do Estado. Como está?
Eu diria que a situação não está muito diferente dos outros Estados. Não é à toa que o governador, antes de seu discurso de posse, sinalizou a necessidade de se fazer um ajuste. A reforma que ele anunciou em novembro e o próprio discurso de austeridade, economia, responsabilidade e corte de gastos, indicavam isso. Então, é uma situação organizada, mas que necessitava de um ajuste importante, senão caminharíamos para situações de descontrole.
 
Cezar Santos – Em relação a números, a sra. já tem uma noção?
Tenho uma boa visão, bastante boa, mas pedi que fizessem várias contas e que várias estimativas fossem recalculadas para que eu tenha mais segurança do ponto de vista de onde ajustar, como ajustar e do tamanho do ajuste. O secretário Thiago Peixoto [Planejamento] e eu montamos um grupo de trabalho com pessoas que já estão dedicadas full time justamente para trabalhar cada linha do orçamento para que tenhamos uma visão absolutamente clara. Porque o orçamento foi feito tendo por base uma conjuntura econômica, um ambiente e uma orientação diferentes.
Por isso estamos refazendo o orçamento, com a participação de cada órgão do governo. Eu falei pessoalmente com cada um dos secretários e presidentes das agências para que eles destacassem uma pessoa para que fizéssemos um orçamento, de fato, fidedigno e a partir daí trabalharmos o ajuste. Ou seja, não tenho dúvidas de que há necessidade do aprofundamento do ajuste, mas a magnitude dele ainda vai sair desse trabalho que deve ser finalizado até o final de janeiro.
Marcos Nunes Carreiro – A sra. tem noção da capacidade de investimento do Estado? Quanto Goiás terá pa­ra investir neste ano e onde deverão ser aplicados esses investimentos?
Do ponto de vista do Tesouro, a capacidade de investimento do Estado está exaurida. Por isso, há a necessidade do ajuste. Eu digo que ajuste não é discurso ou obsessão de economista ortodoxo. Ajuste tem objetivo. É um meio para que a gente consiga justamente recuperar essa capacidade.
Essa é a minha missão e, para isso, precisarei fazer os ajustes, claro, sob a orientação e determinação do governador. Então, quando olhamos para 2015, não existe capacidade de investimento com recursos do Tesouro. O que existe são as vinculações, os empréstimos, isto é, outras fontes para financiar os investimentos, que estão em andamento e serão mantidos.
Marcos Nunes Carreiro – E quais são as áreas prioritárias do governo para realizar os investimentos? Tecno­logia, infraestrutura…
Essa é uma política que sai muito mais da Secretaria de Desenvol­vimento do que, efetivamente, da Fazenda. Meu papel não é determinar a priorização de investimentos e sim sua capacidade. E, a partir das vinculações, dizer quanto temos de disponibilidade.
 
Frederico Vitor – O governo irá fazer enxugamento em quais áreas?
O custeio da máquina é a conta óbvia. Eu acho que houve um primeiro movimento, do ponto de vista da reforma, com a extinção de cargos e demissão de comissionados, mas existe agora uma etapa consequente da própria reforma. Ou seja, precisamos racionalizar essas secretarias que foram fundidas. Então, existe espaço para, por exemplo, redução de aluguel, água, luz, telefone, viagens, entre outros. E isso será feito agora nessa segunda etapa. Na verdade, já está sendo feito. O que faremos agora é quantificar e acelerar isso ao máximo.
 
Cezar Santos – A sra. falou sobre busca de recursos para a realização de investimentos, ou seja, buscar financiamento. Como está a capacidade de endividamento do Estado?
Minha especialidade é crédito, sendo que sempre trabalhei com a questão do endividamento. Eu costumo dizer que se endividar não é ruim, a priori. Ao contrário, crédito é um instrumento para alavancar o consumo e aumentar o bem-estar. Ou seja, há uma série de benefícios vinculados.
Porém, para ter apenas os benefícios e não os custos, é preciso fazer de forma responsável. Tem que caber no bolso e com um custo que faça sentido. É essa a conta que pretendo fazer. Se há recursos, eles cabem na conta do Tesouro e têm um custo que faça sentido, não há porque não buscar o endividamento. Para isso existem o Banco Mundial, BID [Banco Inte­ramericano de Desenvolvimento], organismos multilaterais e mesmo bancos públicos e privados. Vamos bater na porta dessas instituições para conseguir condições favoráveis ao Estado.
Marcos Nunes Carreiro – E como está a capacidade de endividamento do Estado?
Do ponto de vista de volume, ainda temos espaço. A dívida do Estado de Goiás caiu ao longo do tempo, mas existe uma discussão com o próprio Tesouro, e isso vai depender das orientações do ministro [da Fazenda] Joaquim Levy em relação tanto a endividamento adicional com aval do Tesouro quanto ao custo. Não sei qual a política que o ministro Levy e seu novo secretário do Tesouro [Marcelo Saintive] irão adotar.
Houve situações em que os secretários do Tesouro foram muito mais rígidos em relação a custo. E, considerando a situação atual e do país, não imagino que o custo vá para baixo nesse momento. Ao menos os bancos privados não vão buscar oferecer créditos a taxas tão atrativas quanto ofereceram no passado. Assim, ficamos com uma margem mais estreita no que diz respeito de onde buscar esses recursos. E o próprio BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] já indica que não dará tanto acesso a créditos como já deu no passado.
Everaldo Leite – Goiás tem tido sucesso com os incentivos fiscais. Joaquim Levy é desfavorável aos incentivos fiscais. Qual sua posição em relação a isso?
Incentivos e subsídios são algo que o ministro Levy se posiciona contra, mas, como economista de ótima formação, eu tenho certeza que ele tem uma visão semelhante a de qualquer economista bem formado, que é a de que os incentivos e subsídios existem para corrigir distorções e desvantagens comparativas. Então, conceitualmente esses incentivos têm um papel.
O que precisamos avaliar é se as contrapartidas estão equilibradas; e se eles estão indo para os setores e atividades que fazem sentido. É uma questão técnica. De minha parte, não existe nenhum preconceito em relação aos subsídios. Ao contrário, meu conceito é a favor, mas acho que precisamos fazer uma discussão sobre o assunto, pois a própria guerra fiscal chegou a um ponto em que está prejudicando o equilíbrio dos Estados.
Mas essa é uma discussão que deve ser feita considerando as particularidades de cada Estado e também a vontade de convergência dos Estados que abriram mão de seu ICMS ou têm seus programas de incentivo da forma como foi estabelecido. Acho que é uma discussão muito complexa e da qual quero fazer parte, pois entendo da importância dos subsídios para Goiás e como eles foram importantes para o desenvolvimento do Estado nos últimos anos. Mas essa discussão deve ser feita em uma mesa mais fortalecida do que a existente há alguns anos no Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária].
Cezar Santos – A questão é mais ampla, já que a reforma tributária está travada no Congresso Nacional.
O ministro Levy, inclusive, citou isso em seu discurso de posse. Então, imagino que a União vá puxar essa discussão de uma forma que não fez no passado, porque os Estados estão sem receita e a federação também não ganha nada com isso. E acho que o assunto está na pauta do governo federal neste ano e Goiás, pelos interesses do Estado, irá participar da forma mais ativa possível.
Eu estarei lá pessoalmente. Inclusive, estamos cogitando sediar a primeira reunião do Confaz em Goiás, justamente para mostrar nossa intenção de fazer a discussão de forma responsável e, claro, defendendo os interesses do Estado.
Marcos Nunes Carreiro – Em 2014 foi aprovada a renegociação do indexador das dívidas dos Estados e dos municípios. Falta a assinatura da presidente Dilma. Joaquim Levy pretende condicionar essa questão ao fim da guerra fiscal, algo que tem assustado os goianos, visto que os incentivos foram muito benéficos para o desenvolvimento do Estado. Quando a sra. diz que os incentivos precisam ser revistos, de que forma isso deverá acontecer para que não sejamos tão afetados com o fim da guerra fiscal e levando em consideração que o governador Marconi Perillo sempre foi um grande defensor dessa questão?
É uma questão muito complexa e que não vai se resolver do dia para a noite. Por isso, acredito que a União vá exercer o seu papel de liderar essa discussão, pois ela passa por uma questão fiscal importante, do ponto de vista da União, que é a criação dos fundos de compensação.
Então, sem a União na mesa colocando claramente quais são as compensações para aqueles Estados que se beneficiaram dos incentivos no que diz respeito ao desenvolvimento nos últimos anos, essa discussão não caminha. E acho que ela será complexa e longa. O papel da União não é apenas de conciliador, mas também de financiador e de provedor de recursos para que consigamos colocar os fundos de pé.
Marcos Nunes Carreiro – Como está o comportamento do ICMS de Goiás?
A arrecadação vem crescendo de forma contínua, até porque o Estado está crescendo. É claro, à medida que o crescimento desacelera, e as perspectivas são melhores que as da União, a tendência é que a arrecadação não mantenha o ritmo de crescimento apresentado até então. Trabalharei o lado das despesas, como já estou fazendo, mas há uma agenda de crescimento da arrecadação, baseada na eficiência operacional e de fiscalização. Nesse momento não está na mesa o aumento de impostos, embora isso possa acontecer no futuro, mas existe um trabalho de aumento da eficiência da arrecadação.
 
Marcos Nunes Carreiro – E como aumentar a arrecadação sem aumentar os impostos?
Aumentando a base, ou seja, a eficiência da fiscalização. Temos processos, sistemas e uma série de espaços que podemos ocupar no que diz respeito ao operacional da arrecadação.
Existe, por exemplo, um programa financiado pelo Banco Mundial, que prevê justamente a modernização das Secretarias da Fazenda. Isso está em Minas Gerais, no Rio de Janeiro. Em Goiás também existe esse projeto, mas ele tem andado muito devagar. Então, irei acompanhar isso mais de perto, exatamente para aumentar essa eficiência. Na iniciativa privada, essas questões já estão muito incorporadas, mas precisamos trazer isso de forma mais eficiente.
Everaldo Leite – Onde pode haver aumento de impostos sem grandes impactos na produção, visto que, atualmente, 75% da arrecadação do Estado vêm de energia, telecomunicações e combustíveis?
É muito difícil aumentar impostos estaduais sem impactar na produção e, por isso, o assunto não está na pauta ainda. Se tivermos que fazer, sabemos que não será a primeira ação, pois o aumento de impostos não resolverá o ajuste. Mas, se tivermos que fazer, vamos avaliar como.
 
Cezar Santos – Na véspera do segundo turno da eleição, ouvi uma pessoa dizer que, se o governador Marconi Perillo vencesse, ele iria cobrar impostos até da venda de galinha na feira. Evidentemente, foi uma contrapropaganda de adversários. Mas pode-se esperar arrocho fiscal a partir deste ano?
A orientação do governador é cla­ra. Temos que cortar despesas e aumentar a arrecadação em termos de eficiência. Estamos começando por cortar despesas.
Não gosto da palavra “arrocho”. O que buscamos é um ajuste, o que significa eficiência e transparência. Não existe nenhuma vontade, e não é esse o meu mandato, de cortar ou aumentar impostos enlouquecidamente. Não é esse o receituário que aprendi nos meus livros.
Faremos algo muito responsável e com total transparência para mostrar que nossas ações serão feitas para manter Goiás no caminho do crescimento. Isso pode ser difícil no primeiro momento, do ponto de vista de aceleração? Certamente, sobretudo em uma conjuntura nacional como a que vivemos, com um país em crise e que, esse sim, fará ajustes muito fortes. Então, não passaremos incólumes a isso. Mas a orientação não é de fazer um arrocho.
Everaldo Leite – Atualmente, dez municípios são responsáveis por 65% do Produto Interno Bruto (PIB) goiano. Quer dizer, temos 236 cidades com uma capacidade muito menor. O que o Estado pode pensar em fazer para levar benefícios a esses municípios que ficaram à margem do processo de desenvolvimento?
Nós temos uma política de desenvolvimento regional que estará a cargo do secretário José Eliton (PP), que, pelo que tenho acompanhado, tem feito uma busca por projetos e planejamento a fim de desenhar uma política de desenvolvimento regional.
 
Everaldo Leite – Mas isso terá a participação de todas as secretarias ou ficará a cargo apenas da Secretaria de Desenvolvimento? É necessária uma atuação integrada para que os outros municípios cresçam.
Eu posso responder pela Secretaria da Fazenda. Claro, que estou aqui para contribuir no que eu puder com ideias e nas discussões no âmbito do governo como um todo, mas, no que diz respeito à Fazenda, eu irei fazer aquilo que, no meu mandato, eu possa fazer: ajustar as contas do Estado e permitir que todos os municípios, dos maiores aos menores, possam fazer os seus investimentos em dia.
Só o fato de conseguirmos que os municípios tenham previsibilidade em seus orçamentos e em sua receita, já ajudará na gestão das cidades. Mas as políticas de desenvolvimento regional, de fato, não cabem à Fazenda.
Frederico Vitor – O governador disse que uma de suas metas é fazer com que o Estado suba da 9ª para a 8ª posição no ranking nacional. É possível que isso aconteça em médio prazo?
É possível. Justamente porque Goiás tem crescido mais que a mé­dia nacional e, não tenho dúvida, se fi­zermos nosso dever de casa pelo lado fiscal, realmente manteremos essa taxa de crescimento e podemos até almejar ter um crescimento como tivemos há dois ou três anos. Meu otimismo nesse sentido é muito grande. Goiás está numa trilha diferente do país e, portanto, não podemos não imaginar que conseguiremos galgar uma posição nesse ranking.
 
Cezar Santos – Para este ano a perspectiva está se mostrando mais complicada. Os produtores goianos já estimam uma queda de 15% da safra de soja, que é nosso principal produto de exportação. É um complicador a mais.
Este ano, por motivos que podemos antecipar, fora as incertezas e choques que não imaginaríamos, não será fácil. E não só para Goiás. Não será um ano fácil para o país. Mais uma vez: é melhor estar em um momento de desaceleração, de ajuste, do que estar em um momento ruim. Isso permite que se amorteça a situação. É claro que há choques idiossincráticos que apenas Goiás irá sofrer mais.
Por outro lado, se o câmbio desvalorizar, o agrobusiness terá suas vantagens, pois as exportações aumentarão. Então, é um conjunto de fatores que acontecerão ao mesmo tempo e que o resultado final, possivelmente, será melhor para Goiás do que para outros Estados. Contudo, a situação, definitivamente, é melhor para Goiás.
Marcos Nunes Carreiro – Muito se falou de commodities ao longo da última década, mas atualmente esse mercado tem caído muito e o preço despencado. Goiás ainda tem como seu carro chefe produtos in natura, tendo como sua principal parceira a China, que tem comprado muitas terras na África para produção de grãos. Com isso, com a queda do preço, ainda existe o principal parceiro investindo em produção em outro local. Como avalia essa questão?
Esse é um movimento de mercado que vai sempre ocorrer, e só tem uma resposta para isso: produtividade. Nós temos um agronegócio com uma produtividade absolutamente invejável no ponto de vista mundial. A maior arma contra a competição é sempre produtividade.
Portanto acredito que devemos continuar investindo no agronegócio e em produtividade daí, mais uma vez, tudo remete a uma condição fiscal favorável, que só é possível na medida em que temos as contas em dia. Porque aí há o aumento da confiança do empresário, a capacidade de investimento, a capacidade de endividamento saudável para fazer frente às adversidades, porque elas virão. A China desacelera, ou a China começa a produzir na África, ou alguma outra coisa vai acontecer. Tudo se move e a dinâmica é essa.
Só há uma resposta para competição, que é o aumento de produtividade. Não só de um setor em si, pois não adianta termos um setor produtivo se a logística é insuficiente, se temos outros problemas que de alguma forma vão comer um pouco dessa produtividade que nós já temos. Tudo isso apenas acontece com investimentos. Os investimentos só vêm com confiança, equilíbrio fiscal, ou seja, é uma cadeia.
É um receituário quase óbvio, principalmente para quem acredita nesta cadeia. Meu trabalho é fazer isso no âmbito de Goiás, mas não tenho dúvidas que é esta a orientação nacional. Hoje o discurso do ministro da Fazenda é esse: vamos fazer o Brasil crescer. Vamos manter a competitividade e voltar a ter confiança.
“A desaceleração do setor automobilístico nos preocupa, mesmo porque abrigamos importantes montadoras, como a Hyundai, Mitsubishi e Suzuki” | Foto: Divulgação
Frederico Vitor — Outro setor que tem preocupado é o automobilístico. A Argentina, maior parceira co­mer­cial do País na região e maior compradora dos automóveis brasileiros, passa por uma crise que tem afetado drasticamente esse setor. Goiás, depois dos Estados da região Su­deste e Sul, tem a maior planta industrial metalmecânica do Brasil, ou seja, abriga importantes montadoras (Hyundai, Mitsubishi e Su­zu­ki). Essa questão preocupa o Estado?
Acredito que sim, como está preocupando em nível nacional. Essa é uma indústria importantíssima no ponto de vista da geração de emprego. No momento em que temos uma desaceleração da economia específica nesse setor é óbvio que preocupa e nós temos que ficar atentos para isso. Mais uma vez: nós estamos inseridos num contexto e temos que fazer frente a ele e tentar amortecer o impacto. É um setor que preocupa, principalmente em seu potencial de geração de emprego.
 
“Todos os programas sociais serão mantidos”
Marcos Nunes Carreiro — A sra. citou alguma preocupação em relação a liberação de crédito por parte do governo federal. Como fica o Produzir, um programa forte do governo e que fez o Estado acelerar seu crescimento?
O programa está mantido, os contratos vigoram no longo prazo, e isso faz parte da prioridade do governo. Sob esse ponto de vista tudo se mantém como está.
 
Everaldo Leite — Existe hoje um hiato grande entre demanda do crédito subsidiado para produção e investimento, e a oferta. Hoje o FCO (Fundo Constitucional de Financia­men­to do Centro-Oeste) não consegue acompanhar a demanda. Quan­do vai se aproximando o mês de setembro acabam os recursos e vá­rios empresários ficam aguardando o ano seguinte para ver se conseguem fazer um contrato com o banco. O BNDES financia apenas os grandes. Existe alguma alternativa goiana de aporte de recursos para podermos aumentar esse volume de financiamento? Especialmente agora que se atravessa um momento de crise e os juros têm sido aumentados até mesmo dentro do FCO. Digo isso em homenagem à senadora Lúcia Vânia (PSDB) que conseguiu um aporte de R$ 1 bilhão do governo federal para o Fundo. Há algo elaborado nesse sentido?
Não tem nada elaborado, pois, mais uma vez, hoje, o que a gente precisa, é ajustar as contas para que se consiga preparar uma parte dos recursos do Tesouro para investimento. Aí sim que nós vamos conseguir fazer essas políticas específicas, setoriais, regionais, o que seja. Estou na fase anterior, ou seja, onde vamos cortar para sobrar recursos do Tesouro. Enquanto não resolvermos essa primeira etapa fica muito difícil resolver outras questões. Do ponto de vista do Tesouro não há nenhuma previsibilidade, que dirá então, uma política específica para determinados segmentos empresariais ou setoriais.
 
Marcos Nunes Carreiro — A privatização das rodovias, em relação à infraestrutura, vai melhorar muito a malha viária do Estado. Isso tem impacto em termos de arrecadação do Estado?
Nisso não me aprofundei. Mas entendo que, conceitualmente, nas concessões, nas PPPs, existem uma agenda na qual vamos trabalhar porque isso reverte no ponto de vista de receita na arrecadação. Mas especificamente no que temos hoje não cheguei a me aprofundar.
 
Marcos Nunes Carreiro — Tanto no go­verno federal quanto no estadual uma questão forte são os programas sociais. Os programas sociais goianos estão numa margem aceitável?
Não só isso. Nós vamos fazer um orçamento que chamamos de real, pelo menos ajustado na orientação atual, no qual vamos fazer um orçamento que será levado para uma discussão na Assembleia, que é onde nós vamos fazer os ajustes necessários. A orientação do governador Marconi Perillo é de que os programas sociais sejam mantidos justamente pelo resultado que eles já estão mostrando ao longo destes últimos anos. Definitivamente isso estará incorporado no ajuste que nós vamos fazer no orçamento.
 
Marcos Nunes Carreiro — No ponto de vista econômico é possível fazer com que os programas sociais deixem de ser meramente assistencialistas para se tornarem inclusivos?
Essa é uma discussão econômica muito interessante. Existem especialistas nessa área, como Paes de Barros e Marcelo Neri, que estão debatendo isso. Os programas sociais são inclusivos na medida em que eles são uma ponte que possibilitem que as pessoas se eduquem mais. É por isso que os programas sociais vinculados aos programas de melhoria da qualidade de ensino, educação fundamental e infantil têm uma chance muito maior de deixar de ser assistencialista para de fato termos resultados do ponto de vista de capacitação das pessoas para o mercado de trabalho.
Essa é uma agenda que, não tenho dúvida, o ministro Paes de Barros, que é sumidade nesse tema, terá em Brasília, pois vem trabalhando o tema. A ideia é que a gente pegue um pouco de carona nisso, por haver necessidade. O Estado deve permitir que as pessoas se desenvolvam para que elas consigam viver por conta própria, e não simplesmente prover e desincentivar as pessoas a trabalhar.
Marcos Nunes Carreiro — Até porque um dos grandes gargalos do Brasil ainda é a questão da qualificação da mão de obra. Em Goiás, que se industrializou nos últimos anos, há uma reclamação constante por parte de vários empresários.
Esse é um problema não só em Goiás, mas em todo o Brasil. Aqui é um problema quando está vinculado à indústria, em São Paulo quando está vinculado à tecnologia; trata-se de uma escala. Mas o problema é o mesmo. Isso também está vinculado à qualidade do ensino.
O governador já deixou claro que a educação é prioridade em seu governo. Mais do que isso. Deixou claro que quer ser o governador que vai deixar um legado neste quarto mandato no ponto de vista da educação. Tanto ele quanto eu compartilhamos da mesma ideia de reestruturar a educação.
Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Everaldo Leite — A sra. pensa em reestruturar a Secretaria da Fazenda? Criar algo para melhorar a eficiência da pasta?
Concentrei-me, primeiramente, nas contas do Estado. O processo de verificação das contas tem coisas que saltam os olhos e é fato que temos que buscar eficiência do ponto de vista de processo. Existe a necessidade de modernização dos processos da Secretaria da Fazenda. Com isso o contribuinte ganha, o Estado ganha e o funcionário ganha. O que posso contar é basicamente com os recursos do Profisco, do Banco Mundial, e terei que destravá-lo para termos resultados.
 
Euler de França Belém — Educação é fundamental e todos os governantes têm o mesmo discurso. O ex-governador do Ceará e ministro da Educação Cid Gomes fez alguma coisa nessa área em seu Estado. O governador Marconi Perillo tem ótimas ideias, mas e os recursos para serem investidos nestes projetos da Educação, que custam caro?
Sim. As vinculações obrigatórias já dão à área de educação um orçamento que é importante.
 
Euler de França Belém — Mas é mais para salários. Não se pode apenas pensar em salários.
Definitivamente não. Mas essa é uma questão que a secretária Raquel Teixeira vai fazer da forma mais competente possível para que possamos conseguir os recursos, que não são tão escassos assim, da forma mais eficiente possível. Essa é uma gestão da secretária Raquel com as orientações do governador.
 
Euler de França Belém — As organizações sociais funcionam na área da saúde. Podem funcionar na área da educação?
Não saberia dizer. É algo inovador; é difícil de olhar e dizer a priori que funciona ou não funciona. Não sei se vamos chamar de OS ou gestão inovadora ou diferente. O que é necessário é que vamos fazer diferente. A busca da secretária Raquel atualmente é neste sentido. Se serão OSs serão OSs, mas tenho certeza de que ninguém vai se aventurar. Não é aventura que o governador quer.
 
Euler de França Belém — O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está fazendo o dever de casa, assim como o Estado. O mercado também faz a sua. Mas se ninguém investir será ruim para todos. O governo está mexendo no seguro desemprego e nas pensões. O que a sra. acha disso?
É preciso fazer. Não pelo conceito em si, pois ninguém seria contra o conceito de pensões e de seguro desemprego. Mas sabemos que há fraudes, há erros de processo, há desatualizações, há gordura e questões para se melhorar efetivamente.
 
Euler de França Belém — Corre-se o risco do Estado do bem-estar social europeu, que criou uma população que não trabalha.
Exatamente. Mais do que isso. Nós não temos a arrecadação para manter a situação atual. Esse é o ponto. Nós temos que nos ater no objetivo de tudo, que é de manter as coisas funcionando bem e permitir que o País cresça. Se ficarmos em situação de ineficiência e de desequilíbrio, isso vale para o País e para o Estado, todas as possibilidades se exaurem.
Os agentes econômicos são espertos o suficiente para olhar para isso e dizer que não vai funcionar e que não vai dar certo. É uma mudança da situação atual, uma mudança de status quo. Isso requer coragem, enfrentamento, requer quebrar alguns paradigmas. É preciso quebrá-los senão se tornam insustentáveis.
Olhando para o ponto de vista de nação, todos os pontos de vista de benefícios sociais, todos os programas sociais que começaram no governo Fernando Henrique, que avançaram com Lula e Dilma, corríamos o risco de perdê-los em função de um desiquilíbrio fiscal que pode trazer a inflação de volta. O que adianta ter Bolsa Família para 10 milhões de famílias se a inflação corroer todo o benefício ao longo do mês? A sustentabilidade das conquistas sociais, elas dependem de equilíbrio fiscal.
O Plano Real só deu certo porque houve um ajuste concomitante que colocou o Estado gastando o quanto ele arrecadava. A diferença está na sustentabilidade. A sustentabilidade é igual à casa da gente. Quem pode viver gastando mais do que ganha além de determinado período? Ninguém. O Estado é isso. Os agentes econômicos são espertos e entendem isso, porque é um conceito que se aprende dentro de casa. Na medida em que se vê a deterioração das contas públicas, as coisas vão indo em um ciclo vicioso complicado.
Cezar Santos — Numa análise política, Joaquim Levy assumiu, mas há uma ala do PT contra ele, preferia um petista para implementar a “política do PT”, como se não tivesse sido justamente a política do PT que botou a economia do País em frangalhos. Se as medidas de Levy não começarem a surtir efeito no curto prazo, ele pode ser vítima desta ala do PT, que é estridente e tem força no partido?
Há economistas que estudaram alguns livros e outros estudaram outros livros. Essa ala certamente estudou em outros livros. O ministro Levy vai sofrer pressões, não tenho a menor dúvida. Mas ele sabe disso; aceitou sabendo. Pos­sivelmente, a presidente Dilma também sabe.
 
Cezar Santos — A sra. acha que ela vai respaldá-lo suficientemente?
Eu espero, porque é o melhor para o País. A saída do ministro Levy seria desastrosa. Teríamos uma situação de perda de controle.
“O ministro Joaquim Levy vai sofrer pressões. Mas ele sabe disso e aceitou sabendo disso.
Pos­sivelmente, a presidente Dilma também sabe” | Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

 
Euler de França Belém — E a inflação, as medidas dele vão controlá-la? Ela cai para uma taxa de 4,5%?
Sim, mas vai demorar. Nós vamos viver um 2015 complicado, até por conta dos reajustes represados, como energia e combustíveis, que vão tensionar, mas a convergência para o centro da meta deve vir aí no período de dois anos. O que muda muito agora é um trabalho conjunto entre Fazenda e Banco Central, o que não houve no primeiro mandato da presidente Dilma.
A taxa de juros é um instrumento poderoso para fins de controle de inflação, mas não dá conta sozinha, dá conta até um determinado limite. Na medida em que o governo vai corroendo as contas, não tendo responsabilidade fiscal e perdendo credibilidade, os agentes vão pedindo taxas de juros maiores porque sabem que a inflação estará logo ali na esquina. Agora, com a sintonia entre Banco Central e Fazen­da, a política monetária e fiscal trabalhando no mesmo sentido, não tenho dúvida de que o caminho está traçado, mas vamos pagar o preço dos erros do passado.
Euler de França Belém — Os economistas dizem que um longo ciclo de baixo crescimento cria uma brutal dificuldade de recuperação para a economia. Essas medidas que o governo está tomando possibilitarão que em 2016 a economia cresça um pouco mais?
Acho que cresce pouco mais do que 2015, porque para mim neste ano já está contratado um crescimento baixíssimo. Estou convencida de que se a política que o ministro Levy está colocando no papel for seguida, a gente já tem uma reversão de expectativa no final do ano, vamos vislumbrar cenário e horizonte mais positivos. No meu planejamento mental, imagino que teremos um 2015 difícil, com aumento de desemprego, com inflação ainda alta, baixo índice de crescimento, mas com uma reversão de expectativa, à medida que o caminho for se consolidando.
Isso se dará à medida que se cristalize, que as dúvidas saiam do cenário, se a presidente Dilma continuará ou não bancando o ministro Levy e uma política de austeridade; à medida que isso sai do caminho, a tendência é que se observe, imediatamente, uma reversão de expectativas, pois já percebemos alguns sinais, como a própria escolha que ele tem colocado publicamente. E, à medida que isso se cristalize, conseguiremos observar uma melhora nas expectativas e uma reversão de tendências.
Cezar Santos – Quando acabar a contabilidade criativa, por exemplo, trará confiança no mercado?
Certamente. O grande problema da contabilidade criativa é a falta de transparência.
Quando eu trabalhava como economista, no ano passado, no banco, além das minhas funções de controle de risco, eu participava das comissões econômicas, e o que se observava era que, qualquer número que você olhasse, você diria que não era um número real. Além disso, qualquer economista constatava que o número, necessariamente, seria pior.
Esta incerteza da contabilidade criativa gera uma aversão ao risco ainda maior, bem como a desconfiança; a tendência é, sempre, a retração. Portanto, a falta de transparência que a contabilidade criativa gerou é desastrosa para os próprios agentes, para expectativa, para confiança. Sem contar que os economistas passam mais tempo fazendo contas para saber qual é a realidade daquele número que está ali.
Euler de França Belém – Os intelectuais, como os economistas, saem da província e querem ficar na corte. A sra. atuou no mercado financeiro nacional, é bem-sucedida, e voltou para Goiás. Qual o motivo? O sociólogo norte-americano Russell Ja­coby menciona que os intelectuais públicos prestam um serviço ao desenvolvimento da sociedade. Sua decisão se deu por aí?
Tem vários motivos. Para os economistas já existem vários critérios de seleção. Quem faz economia, geralmente, tem um interesse público. Por mais que a minha decisão, lá atrás, estivesse muito mais ligada ao banco do meu pai e à vontade de dar continuidade ao trabalho dele no banco, o economista tem algum cacoete público. Portanto, esse é o primeiro motivo.
Eu sou economista três vezes. Eu insisti em economia na graduação, mestrado e doutorado. Depois de um tempo no setor privado e já tendo conquistado postos em instituições tão importantes como no Itaú, chegar a ser diretora de risco de crédito é uma realização incrível, eu já estava com vontade de fazer uma mudança de carreira, quando saí do Itaú, em julho. Tanto que me envolvi, inicialmente, no programa de governo de Marina Silva (Rede/PSB). Trabalhei no programa dela, no capítulo de crédito. E, posteriormente, na campanha de Aécio Neves (PSDB). Isso, no ponto de vista de formulação, não do ponto de vista político, efetivamente.
Eu já estava indo para um caminho de buscar algo mais institucional, mais público. Tanto que, se o Aécio tivesse ganhado, o meu caminho natural seria Brasília. Portanto, o convite do governador Marconi me pegou em um momento de realização profissional, em que eu estava revendo as minhas opções profissionais e tinha a alternativa de voltar para banco, para fazer coisas totalmente diferentes. Ainda assim, eu estava com um viés de formulação. Juntou esse momento da minha vida profissional com o fato de ser Goiás e a formação como economista, então a conta foi fácil.
Cezar Santos – Com qual argumento, especificamente, o governador Marconi Perillo lhe convenceu?
Primeiro, o fato de ele querer alguém técnico; alguém que tivesse um currículo que habilitasse fazer o ajuste que ele já havia pensado. Segundo, a minha admiração pelo governador. Em terceiro, talvez o fato de o ministro Levy – estou voltando um pouco na questão do “eu”, mas é que o contexto convergiu para isso. Ser um governo PSDB, o meu momento político, a minha formação acadêmica, o fato de ser Goiás, ou seja, tudo convergiu.
Eu saí do convite já sabendo que iria aceitar. Mas, do ponto de vista da argumentação do governador, foi a vontade de fazer o ajuste e ter alguém técnico para fazê-lo. Eu até disse a ele que eu estava fora de Goiás havia 30 anos e que eu não conhecia as pessoas mais. Ele me respondeu que queria uma cabeça técnica e que eu estava recebendo o convite em função do meu currículo. Disse-me, ainda, que queria fazer uma gestão fiscal que possibilite entregar Goiás, daqui a quatro anos, para o sucessor com as contas em dia, com o Estado investindo, com uma bandeira de um Estado moderno e ajustado, do ponto de vista fiscal.
Euler de França Belém — O que o economista Pérsio Arida, seu namorado, achou de sua escolha em vir para Goiás?
Ele é conflitado, não queria que eu viesse por questões pessoais, argumentou contra no início. Mas ele entendeu, é um grande apoiador, acha que tenho tudo para dar uma boa contribuição. Depois que viu que eu estava decidida, ele me apoiou.
 
Euler de França Belém – Dizem que Pérsio Arida é brilhante. É mesmo?
É mais até do que as pessoas dizem. É uma cabeça incrível, muito acima de qualquer pessoa que eu já tenha conhecido na minha vida.
 
Euler de França Belém – Ele não pensa em escrever um livro de memórias?
Ele já tem um livro de memória que está em processo. Uma parte foi publicada na revista “Piauí”. É um livro que reflete a vida dele como ativista de esquerda, quando foi preso, torturado. Muita gente não sabe disso.
 
Cezar Santos – Depois do governo a sra. estará com quatro anos de experiência no Executivo. Pela formação, uma cabeça como a sua no Parlamento, certamente, teria muito a contribuir na formulação de leis. A sra. já pensou nesta possibilidade?
Não, porque a minha família já tem um conjunto de pessoas na área. A cota da família Abrão Costa já está totalmente preenchida, eu não contribuirei para que aumente.
 
Euler de França Belém – A sua formação de economista é em que área?
Eu sou formada em Microeco­nomia Bancária, pela USP [Universidade de São Paulo]. Eu sou técnica, não tenho qualquer viés político, portanto, eu vim prestar um trabalho técnico para o Estado de Goiás. Daqui a quatro anos, eu pensarei no que fazer, profissionalmente, mas certamente será algo vinculado à minha formação de economista.
 
Euler de França Belém – Sua dissertação de mestrado e a tese de doutorado foram publicadas?
A tese de doutorado foi publicada pela Febraban [Federação Brasileira de Bancos], porque ganhou prêmio no ano que defendi. São três ensaios, um deles muito teórico, e a ideia seria até publicar fora. O segundo capítulo, que é o spread bancário, foi incorporado nas notas técnicas do Banco Central, porque é a metodologia que se utiliza para decomposição do spread. E o terceiro capítulo, sobre instituições e impacto de lei de falência no mercado de crédito, é um texto mais institucional mesmo, nem é teórico nem aplicado, é quase uma resenha de ideias. Até foi publicado em alguns livros de direito falimentar. Enfim, há frações de minha tese de doutorado publicadas.
Já a minha dissertação, costumo dizer que foi quase uma catarse, um trabalho de elaboração psicológica, porque foi sobre liquidação bancária. Foi logo que o BBC [propriedade de seu pai] foi liquidado. Eu tinha feito os créditos do mestrado, mas não tinha defendido tese, então voltei à academia para isso. Foi muito mais uma elaboração psicológica. Olho para ela e não me reconheço muito ali.
Euler de França Belém – O que a sra. acha das ideias do francês Thomas Piketty? A desigualdade social pode ser combatida com taxação, com imposto?
O conceito, a tese, definitivamente, é muito bom. Mas a aplicabilidade, por exemplo no Brasil, é difícil. Tanto que, quando você verifica os dados que ele utilizou para fazer os trabalhos e os estudos de caso, há contestação. O livro [“O Capital no Século XXI”, publicado no Brasil no ano passado. Na obra, o pesquisador avalia que a desigualdade de renda vem aumentando no mundo] me surpreendeu não só pela tese em si, mas por ser muito bem escrito. É impressionante.
 
“O capitalismo permite a realização das pessoas”
Ana Carla Abrão Costa, secretária da Fazenda, é entrevistada pelos repórteres Marcos Nunes Carreiro, Cezar Santos, Frederico Vitor e Euler de França Belém e pelo economista Everaldo Leite, na redação do Jornal Opção | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
 
Euler de França Belém – Thomas Piketty usa até a literatura, como a de Balzac, para entender a estrutura do funcionamento do capitalismo no século 19.
Tem, ali, uma aula de história do pensamento. Realmente, me surpreendeu. Eu confesso que fui ler com algum preconceito, mas o livro me prendeu. Agora, do ponto de vista da tese e dos dados que ele utiliza para defendê-la, eu não tenho dúvida que ali tenhamos uma inovação no pensamento econômico.
Ainda assim, questiono a aplicabilidade no Brasil – eu imagino que se fôssemos fazer os testes que ele fez, aqui não se manteriam. A realidade é diferente, a nossa estrutura econômica e social é muito distinta. Portanto, a desigualdade, a concentração de renda, que existem aqui, têm uma concepção diferente. É difícil aplicar o que ele prega na realidade brasileira.
Euler de França Belém – Ele fala que é difícil trabalhar no Brasil, pois não tem dados públicos de renda. Isso é uma falta de transparência do nosso país?
Eu não saberia dizer qual é a origem.
 
Euler de França Belém – Nos EUA e na Europa, Thomas Piketty conseguiu dados com facilidade.
Aqui, ele disse que teve dificuldade. Os nossos economistas sociais, que fazem trabalhos de renda, de criminalidade, de educação, têm os microdados do Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE]; há muitos bancos de dados completos, robustos. Mas, não sei, os dados da Receita, de fato, ninguém tem acesso. Embora, mesmo os dados da Rais [Relação Anual de Informações Sociais], de acadêmicos, se tem acesso. Portanto, eu não sei em que porta ele bateu que acabou não conseguindo os dados que queria.
 
Euler de França Belém – O capitalismo é o modo de produção mais revolucionário da história. Pensa-se que o “Manifesto Comunista”, de Karl Marx, é um ataque brutal ao capitalismo. Na verdade, é um elogio ao burguês e ao caráter revolucionário do capitalismo, claro que com o objetivo de criticá-lo e, adiante, substitui-lo. Lênin, ao examinar o capitalismo na Rússia — onde Marx avaliava que a revolução não se daria —, forçou dados para justificar a possibilidade de uma mudança radical. A Revolução Russa ocorreu em 1917, mas em 1991 a estrutura socialista ruiu de vez. Já o capitalismo, com todas as crises, permanece. Por que o capitalismo é tão resistente e tem uma capacidade tão grande de se renovar? O que o torna tão forte, tão desejado?
Eu sou uma microeconomista e existe uma coisa em micro que se chama “desenho de mecanismos”. O capitalismo é uma forma que, se você tem instituições sólidas, regulação bem feita, agentes atuando de uma forma organizada, ele gera o melhor resultado a partir de incentivos corretos.
Por exemplo, eu estou em Goiás para fazer um trabalho e qual meu incentivo? Meu incentivo é uma realização e quase uma satisfação para o que eu me preparei ao longo de 45 anos. Para mim, qual o maior ganho que eu posso ter, trabalhando em Goiás e dando minha contribuição? Uma realização pessoal minha. Portanto, não é financeiro, não é político, não é nada a não ser fazer um bom trabalho para o Estado. É o que maximizará o Estado, a minha utilidade, a minha felicidade. Isso significa que darei o melhor de mim. Trabalharei 24 horas por dia para fazer o melhor que posso dentro dos meus conceitos, dos meus valores, do meu conhecimento.
O capitalismo, você pode extrapolá-lo para tudo. Pois, o desenho de mecanismo é um desenho tal que leva ao incentivo correto. É um incentivo que faz com que na busca da sua satisfação pessoal, você traga algo para sociedade. Por exemplo, na busca do lucro, você gera o máximo de emprego possível. O economista social, que na busca de publicar um paper [trabalho] inovador, busca também a política social que tem maiores resultados, do ponto de vista da desigualdade.
O capitalismo é um sistema que se desenhado bem, com boas instituições, regras, boas leis que sejam cumpridas, a tendência é de motor que segue sozinho. A tendência é um motor que gira o carro, pois cada engrenagem está ali, rodando na mesma direção e o objetivo final vem do conjunto disso tudo. É uma sofisticação do “laissez-faire” [o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade], mas que depende, basicamente, de um desenho de mecanismo que funcione, que leve as pessoas a buscarem sua realização, através de incentivos corretos.
Euler de França Belém – O Brasil é uma economia forte, chegando perto da Inglaterra. Como o Brasil pode se aproximar dos EUA, da China, da Alemanha e do Japão, de forma mais rápida?
Existe uma agenda importante. Uma agenda de abertura, de fortalecimento das instituições. Quando nós olhamos o Brasil antes e depois de 1990, é impressionante falar em produtividade, em crescimento do PIB, do mercado de crédito, aumento do bem-estar, de toda uma classe média, de uma classe C. Isso tudo veio como consequência de um dever de casa muito bem feito, que envolveu abertura, que envolveu instituições mais fortes, agências reguladoras, privatizações, fortalecimento de mercado, redução de conflitos.
Portanto, num intervalo de dez anos, a partir de 2005, houve um conjunto de mudanças institucionais que representaram um avanço enorme. Não é a toa que vivemos de 2003 até 2010 –– tirando a crise de 2008, que deu um baque ––, um período de prosperidade. Afinal, houve uma agenda de abertura comercial macro, muito importante, estabilização, que tirou da agenda a inflação e permitiu que várias outras agendas institucionais microeconômicas fossem destravadas, e avançamos a partir disso. O mercado de crédito, a área que eu estudei mais profundamente, não cresceu em média 15% ou 20% ao ano, durante dez anos, à toa. Existiu uma agenda enorme de trabalho de crédito bancário, de fortalecimento de contratos e garantias, que deu origem àquilo.
Se voltarmos à trilha da agenda de fortalecimento institucional, eu não tenho dúvida que deslancharemos outra vez. Mas é preciso voltar a ela. O Brasil não faz reformas institucionais desde 2003. A última agenda organizada institucional de desenvolvimento foi feita pela Secretaria de Política Econômica, quando o Marcos Lisboa e o Antônio Palocci [então ministro da Fazenda] encamparam isso. E já pegando carona na agenda de abertura, de estabilização que tinha organizado o país. Estávamos indo por um caminho de retrocessos e isso será estancado. Precisamos ter essa maturidade, que o ministro Levy colocou muito bem em seu discurso. Nós temos a maturidade democrática institucional para perceber que estávamos indo por um caminho errado e precisamos corrigir este curso.
Everaldo Leite – Também não falta investimento para que tenhamos melhorias, pois um problema sério é a produtividade baixa e aí, uma das questões é o capital humano, que também impacta o desenvolvimento?
Também é um problema, mas hoje a produtividade é um problema que está muito mais vinculada a esses pequenos assassinatos do ponto de vista institucional, do que da questão de capital humano. É claro que uma coisa puxa a outra, pois à medida que você tem baixa produtividade em um mercado muito aquecido, cria-se um desbalanceamento que não reflete em aumento do salário real, aumento de produtividade, enfim. Tudo se desorganizou e é por isso que a educação é absolutamente fundamental.
Existe uma necessidade clara em aumentar a qualidade da educação no Brasil. E, além disso, toda essa agenda institucional. A educação faz parte. Quando eu falo em agenda institucional, ela tem que abarcar diversas dimensões e a educação é uma delas. Mas, definitivamente, se não tomarmos uma agenda microeconômica como prioridade é difícil não desviarmos do caminho que estava traçado.
O Maílson da Nobrega tem um livro, “O Brasil deu certo”, publicado no começo dos anos 2000, em que faz um balanço muito interessante, que é justamente dessa agenda fortalecendo nossas instituições, nossas bases e que fez com que as coisas dessem certo. Desviamos. Quando algo começa a ter questões como a contabilidade criativa, contratos que não são cumpridos ou desorganizações, como a do setor elétrico, você começa a andar para trás. Mas, eu acredito que foi em bom tempo. Tudo bem, poderíamos não ter passado por isso, mas ainda está em tempo de o curso ser retomado.
Cezar Santos – Quanto à produtividade, que é um gargalo nosso, também conta a questão dada legislação trabalhista, que é arcaica?
Sim. Por isso que é uma agenda microeconômica. A reforma tributária é microeconômica e, ainda assim, muito complexa. Outro dia, conversando com o Pérsio Arida [economista, um dos idealizadores do Plano Real e presidente do Banco Central do Brasil em 1995], estávamos falando sobre o Plano Real, eu disse a ele: “A questão tributária, hoje, é como se fosse a agenda da inflação no final dos anos 1980”. Ela se tornou tão complexa que é uma agenda que toma a atenção de uma série de outras coisas que poderiam estar sendo direcionadas para o campo produtivo.
Hoje, uma empresa que atravessa o Brasil para recolher ICMS, tem que ter um setor de tributação na administração para dar conta de recolher o ICMS certo e, provavelmente, ainda ela será atuada, e isso não por má fé, mas sim por não conseguir. A complexidade tributária é tal que ela também impacta a produtividade, a eficiência. Portanto, é uma agenda importante e tão complexa quanto foi, possivelmente, a do Plano Real.
O Plano Real – e o Pérsio repete isso com propriedade –– se deveu a um pacto que foi feito em torno daquela agenda. Chegou a um limite em que as pessoas não conseguiam viver mais com a inflação e, aí, tinha classe política, a classe econômica, tinha a população que se juntou em torno daquele plano. Do ponto de vista da tributação, também é necessário ter impacto. Os Estados precisam sentar, a União precisa sentar e colocar a reforma tributária na agenda do dia. Mas isso é difícil.
Euler de França Belém – Há quem diga que as privatizações foram “privataria”. Mas o Estado ficou mais barato para sociedade brasileira e deixou o mercado mais eficiente, ele se expandiu, cresceu. As pessoas tinham consórcio de telefone para conseguir um; era preciso entrar em uma fila gigantesca. Hoje se discute que as pessoas querem um celular 4G, mais qualidade, mas todos têm acesso porque ficou mais barato. A sra. discorda do conceito de “privataria” como alguns apregoam em relação às privatizações?
Discordo que foi privataria. Aliás, coloco as privatizações nessa lista de avanços institucionais na década de 90 e que nos colocaram em outro patamar para buscar outros avanços. As privatizações fizeram bem para o País. As pessoas têm acesso à telefonia hoje de uma forma que era impensável antes. E eu vejo cada vez mais: o Estado não é um bom empresário. Ele tem incentivo para ser um bom ente público, para prover os serviços básicos, mas não para ser bom empresário. Os incentivos do Estado empresário são ruins, com empresas inchadas, ineficientes, de pouco resultados. Empresa de Estado é empresa sem dono.
 
Cezar Santos – A Petrobrás é um exemplo…
(risos) Ali o problema é diferente. Ali é uma agenda errada, criminosa.

entrevista

Ana Carla Abrão Costa, secretária da Fazenda, é entrevistada pelos repórteres Marcos Nunes Carreiro, Cezar Santos, Frederico Vitor e Euler de França Belém e pelo economista Everaldo Leite, na redação do Jornal Opção | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

 
Everaldo Leite – Quando a sra. fala em reformas microeconômicas, entendo bem o que é, mas os economistas de outro pensamento parece acreditar em uma política industrial com foco em setores específicos. Até onde esse tipo de política impacta nos interesses do nosso Estado, por exemplo? Por que parece que os Estados são muito afetados negativamente com essa política.
Com certeza, porque o País é afetado negativamente quando se desorganiza a ordem econômica. Incentivos setoriais, política de bolsa empresário, eleição de vencedores, isso desorganiza a ordem. Como o Estado tem capacidade de eleger um setor em detrimento ao outro? Não existe medição possível que diga que tal setor tem de ser incentivado e não aquele outro, ou que esse empresário tem de receber o crédito do BNDES subsidiado, quando ele tem acesso ao banco privado ou ao mercado de capitais para captar pelo custo do risco dele. Então, por ai se começa a desorganizar a ordem econômica de uma forma que todo o País sente, e para de crescer, porque afeta a produtividade. Os Estados estão neste contexto.
Felizmente, pelo que tudo indica, essa agenda está sendo abandonada. Quem está na Secretaria de Política Econômica hoje é um economista de maior grandeza e um microeconomista, com capacidade de fazer um trabalho de primeiríssima numa agenda microeconômica, que começa inclusive no setor elétrico, que foi a maior desorganização e que a gente sente aqui, em Goiás, com a Celg. O setor como um todo está desestruturado, em dificuldade, em função de uma má regulação.
Marcos Nunes Carreiro – A economista italiana Mariana Mazzucato, no livro “Estado Empreendedor”, defende a tese de que o Estado precisa parar de ser a mão invisível, que serve apenas para corrigir as distorções do mercado, para ser a mão mais que invisível, que incentiva a inovação. A sra. concorda?
Euler de França Belém – Ela até elogia o BNDES…

Não conheço o livro e até fiquei curiosa, vou comprá-lo. Não posso me colocar a favor ou contra a tese, por não ter lido o livro. Mas eu não tenho dúvida de que o Estado tem um papel importantíssimo de fomentar e viabilizar a inovação e como investidor também, porque o investimento público tem como contrapartida o investimento privado.
Existe a economia de escala, a necessidade de ter o Estado como um organismo que vá viabilizar uma série de coisas que a inciativa privada sozinha não faria. Há, inclusive, o Estado provedor, o Estado de bem-estar social, que vai permitir que as falhas de mercado sejam corrigidas.
Eu olho o Estado não como empresário, mas possivelmente como empreendedor. O BNDES tem um papel, mas o papel que ele exerceu nos últimos quatro anos é absurdamente maior do que o que deveria ter exercido. Entendo que ele deve ser muito presente, mas com uma função muito específica, justamente de ser o viabilizador de projetos, fomentador do mercado de capitais.
Ele tem um papel aí, mas não o papel que vem exercendo, que está extemporâneo. Há uma série de mecanismos, que infelizmente foram ressuscitados nos últimos anos, que são de um outro Brasil, um Brasil que não tinha crédito, em que os bancos viviam financiando o governo ou viviam no floating inflacionário. Mecanismos que foram criados no passado e que ficaram à parte da agenda de desenvolvimento. O País cresceu, se desenvolveu, fortaleceu-se institucionalmente, houve reflexos disso, mas há mecanismos que ficaram pendurados, como o FGTS, o BNDES da forma como atuou recentemente. É como se não tivéssemos o mercado de capitais, um mercado de crédito que não conseguisse dar conta de financiar grandes empresas. Inverteu-se a lógica, o sentido de causalidade. O BNDES expulsou os bancos privados do financiamento de longo prazo. Porque não dá para competir.
Everaldo Leite – A questão das taxas de juros também não influencia? Temos uma poupança muito baixa, o que acaba não deixando muito espaço para uma taxa de juros menor.
Sim, mas hoje existem empreendimentos, empresas que conseguiriam se financiar de forma rentável no setor privado, a taxas de juros de mercado, mas os bancos não conseguem financiar essas empresas porque o BNDES está lá. É o que chamamos de falling-out em economia, o BNDES expulsou os bancos privados do mercado de financiamento de longo prazo.
Cezar Santos – Mas isso é claramente uma política de governo pondo o foco no BNDES, como forma de influenciar no direcionamento desses recursos para “amigos” que podem retribuir no financiamento de campanhas…
Por isso que eu digo, não sei a tese da economista italiana citada há pouco, mas se ela estiver remetendo a um Estado que dá as bases para que a economia se desenvolva e que atue do ponto de vista social, é esse o Estado que está nos livros que eu li; é o Estado que está no conceito que formei a partir de minha educação como economista. E esse Estado tem regras e cria as condições para que o setor privado possa fazer o seu papel e supre onde o setor privado não faz, como a habitação de baixa renda, os mecanismos de transferência de renda, educação, saúde, segurança pública, etc. O papel do Estado deve ser de base, que alavanque o setor privado e não o contrário, sufocando o setor privado a ponto deste dizer “não tem espaço pra mim aqui, porque o Estado faz tudo”.
Quadro
Fonte: Jornal Opção – Edição 2063

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